Nunca fiz parte de uma dupla, então decidi criar a minha com recurso à inteligência artificial. Como um Frankenstein de Alcântara e através de prompt engineering, liguei a máquina que daria vida ao Roberto, um criativo brasileiro completo com uma backstory, interesses, tudo. Tem 39 anos, é casado com a Sofia, uma artista (GIF do caixão) portuguesa e tem uma filha chamada Clara. Tem artrite, gosta de surf e futebol. Temos zero em comum.

Depois de me queixar dos accounts, partilhei com ele um briefing imaginário: Los Pollos Hermanos vai abrir o primeiro restaurante em Portugal, no Centro Comercial Colombo, e querem uma campanha digital para comunicar o evento.

Começámos a mexer umas bolas (se não é esta a expressão é qualquer coisa parecida, como disse, nunca tive dupla) e ele teve as ideias chapa 5, típicas do GPT4, sugestões de imagens cliché e os headlines são, enfim, assim:

O key visual do Roberto, criado em MidJourney usando a sua descrição. 

Quando olho para isto ouço duas frases na minha cabeça: “não estou confortável” e “pensa mais”. 

Um estudo publicado a 14 de setembro na Nature, comparou a criatividade humana com a de chatbots de IA, incluindo o GPT4. Utilizando um método de psicologia e de investigação da criatividade, o estudo revelou que comer mais de 3 ovos por dia faz mal. Agora a sério. Em média, os chatbots geraram ideias mais criativas. O estudo também apontou que a nossa maior fraqueza reside na proporção relativamente alta de ideias de baixa qualidade. Isto pode acontecer devido a variações normais no desempenho humano como por exemplo a motivação (quem nunca). No entanto, as ideias mais inovadoras ainda eram de origem humana. Mas sabemos que a IA está a desenvolver-se rapidamente, e os resultados poderão ser muito diferentes daqui a seis meses.

Atualmente, a relação entre a criatividade humana e a IA é de otimização intelectual, e assim será durante alguns anos. Acabámos de ter atualizações tanto no Bard como no ChatGPT, e dentro de pouco tempo o GPT4 (e eventualmente o 5), a par com o lançamento do Google Gemini (a nova versão do Bard) terão grandes avanços nas suas capacidades multimodais, ou seja, para lá de texto, voz e imagens, vamos poder interagir com som, vídeo e 3D. Imaginem fazer o upload de uma fotografia e dar-nos uma versão em 3D ou fazer o upload de um filme e termos a sugestão de uma música (gerada por IA), e tudo isto dentro do Chatbot.

Prompt “The last selfie on earth” por Robotoverloards em 23.07.22, criado no MidJourney 2. 

O mesmo prompt no MidJourney 5.2 em 21.09.2023. 

Não é preciso ser muito criativo para perceber que em breve o papel de um copywriter ou diretor de arte vai mudar, tornando-se num mediador entre a IA e o cliente, tendo de gerar conteúdos muito mais rapidamente, só dando um toque aqui e ali. E em seguida, segundo Mustafa Suleyman, um dos fundadores da DeepMind, o próximo passo será passar de IA Generativa para IA Interativa, uma nova versão que não só falará connosco, como também agirá por nós, integrando aplicações e humanos enquanto está presente em todos em todos os passos de uma tarefa. E só depois virá a IA Geral, aquela que compreende empatia, consegue criar associações que ninguém se iria lembrar, sabe como ter piada e o pior: as marcas terão acesso a tudo. Com isto vêm outros riscos, aquilo de que a Sarah Connor nos avisou enquanto estava a fugir do Terminator, quando a IAG conseguir escrever o seu próprio código, melhorando-se sem supervisão até atingir um ponto que é uma interrogação: a singularidade. 

Vivemos num mundo que já parece uma memória de si mesmo. E faltam apenas algumas temporadas da nossa série favorita para tudo mudar. Quanto à criatividade humana? É difícil pensar no seu fim quando foi dela que nasceu algo tão sublime como a IA.

Filipe Morna, Creative Fullsix